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A Revolução Silenciosa: Como o Excesso de Estoque Quase Levou a Fábrica de Móveis à Falência


Marcelo acordou às 5h da manhã de um domingo, muito antes do que seria normal em um dia de descanso. Sentado na varanda de sua casa, contemplava o futuro incerto da empresa de Móveis, empresa familiar que, após três gerações, corria o risco de fechar suas portas. O café esfriava em sua xícara enquanto seus pensamentos se voltavam para o galpão de 1.800 metros quadrados, repleto de matéria-prima e produtos acabados que pareciam nunca encontrar seu caminho até os clientes.


"Como não percebemos isso antes?", murmurava para si mesmo, revisando os números que seu contador apresentara na sexta-feira. A fábrica de móveis de alto padrão, que por 47 anos fora o orgulho da família, estava sufocada por seu próprio estoque.


indicadores de estoque


O Peso do Invisível


A empresa de Móveis sempre foi sinônimo de qualidade em Ribeirão Preto. Especializada em móveis de madeira maciça para residências de alto padrão, a empresa atravessou décadas construindo uma reputação sólida. Porém, nos últimos dois anos, apesar do faturamento crescente, os lucros desapareciam misteriosamente.


"Vendemos mais que no ano passado, mas o lucro diminuiu. Como isso é possível?", questionou Marcelo durante a reunião familiar mensal, onde ele, seu pai Antônio e seu irmão Ricardo discutiam os rumos do negócio.


A resposta estava literalmente à vista de todos, mas ninguém conseguia enxergar. Nos corredores estreitos do galpão, pilhas de madeira nobre aguardavam processamento. No setor de produtos acabados, sofás, mesas de jantar e camas se acumulavam em número muito superior à demanda imediata.


"Sempre compramos madeira quando aparecia uma boa oportunidade", explicava Antônio, patriarca da família e fundador do negócio. "É um investimento. Madeira boa só valoriza."


Essa era a filosofia que guiou a empresa por décadas – estocar matéria-prima era visto como investimento, não como custo. Uma mentalidade que fazia sentido nos anos 1980, quando a inflação corroía o dinheiro parado, mas que agora se tornara uma âncora pesada demais.


A Conta Que Não Fechava


Foi Laura, filha de Marcelo e recém-formada em administração, quem primeiro expressou preocupação com o volume de estoque. Durante seu estágio de férias na empresa familiar, ela tentou implementar um sistema básico de controle de estoque.


"Pai, sabe quanto tempo levaria para usarmos toda a madeira que temos estocada? Quase dois anos, mantendo o ritmo atual de produção", revelou Laura, com dados que coletara durante semanas.


O número assustou Marcelo, mas não o suficiente para mudar práticas arraigadas. Foi apenas quando a linha de crédito rotativo da empresa atingiu seu limite que o problema se tornou impossível de ignorar.


"Estamos com o galpão cheio de riqueza, mas sem dinheiro no banco para pagar os fornecedores de ferragens e tecidos", concluiu Ricardo, após uma tarde analisando as contas com o contador.


O diagnóstico era claro: capital de giro comprometido pelo excesso de estoque. A empresa tinha quase 2,3 milhões de reais imobilizados em madeira, produtos semi-acabados e móveis prontos – um valor quase cinco vezes maior que o necessário para a operação eficiente.


O Encontro Que Mudou Tudo


Em uma feira de fornecedores do setor moveleiro, Marcelo conheceu José Roberto, consultor especializado em gestão de produção e estoques para indústrias. A conversa casual durante o almoço se transformou em uma longa discussão sobre os desafios da empresa de Móveis.


"Seu problema não é de vendas, é de gestão de estoque", afirmou José Roberto depois de ouvir atentamente. "Vocês estão literalmente sentados em dinheiro que não circula."


Intrigado e um tanto cético, Marcelo convidou o consultor para conhecer a fábrica. A visita que estava programada para durar duas horas se estendeu por um dia inteiro.


"José Roberto andava pelo galpão anotando tudo em seu tablet. Parecia um médico examinando um paciente", recorda Marcelo. "No final do dia, ele me perguntou algo que nunca esquecerei: 'Você sabe qual é o custo real de manter uma mesa de jantar estocada por seis meses?'"


A pergunta pegou Marcelo de surpresa. "O custo da madeira, da mão de obra e dos insumos", respondeu prontamente.


José Roberto sorriu. "Isso é apenas o começo. Vamos calcular juntos."


A Revelação dos Custos Ocultos


Na manhã seguinte, José Roberto retornou com uma apresentação detalhada que deixou a família perplexa. O custo real de manter estoque ia muito além do valor dos materiais:


"Cada item estocado representa capital imobilizado que poderia estar rendendo em aplicações ou sendo reinvestido no negócio", explicou José Roberto. "Além disso, há custos de espaço físico, seguros, deterioração, obsolescência, movimentação, controle e gestão."


José Roberto mostrou que um estoque excessivo gerava ainda outros problemas menos óbvios:


"Vocês estão produzindo itens que não têm demanda imediata, consumindo recursos que poderiam ser direcionados para os produtos que realmente vendem", continuou. "E isso cria um ciclo vicioso: produzem mais do que vendem, aumentam o estoque, comprometem capital, sentem-se pressionados a vender o que têm e acabam oferecendo descontos que corroem a margem."


Antônio, inicialmente resistente às críticas ao sistema que ele mesmo criara, foi conquistado quando José Roberto mostrou números concretos:


"O custo de manter esse estoque está entre 25% e 30% do seu valor ao ano. Isso significa que aquela mesa de jantar de R$ 8.000 que está parada há seis meses já custou mais R$ 1.200 só por estar ocupando espaço."


O Plano de Transformação


José Roberto propôs um plano de ação em três etapas para resolver o problema de estoque da empresa de Móveis:


Primeiro, uma auditoria completa do estoque existente, classificando itens por valor, rotatividade e obsolescência. "Precisamos saber exatamente o que temos e o quanto isso está custando", explicou.


Em seguida, implementação de um sistema just-in-time adaptado à realidade da indústria moveleira. "Vocês não são uma montadora de carros, mas podem aplicar princípios similares, adequados ao seu ritmo de produção", argumentou José Roberto.


Por fim, um novo modelo de produção puxada pela demanda, não empurrada pelo desejo de manter a fábrica sempre ocupada. "Produzam o que vão vender, não o que podem produzir", sintetizou.


A resistência inicial da equipe era esperada. "Sempre fizemos assim" era a frase mais ouvida nas primeiras semanas. Mas quando os primeiros resultados começaram a aparecer, a dinâmica mudou.


A Implementação e o Renascimento


José Roberto trabalhou com a equipe por seis meses. O processo de transformação começou doloroso, com a necessidade de liquidar parte do estoque com descontos significativos para gerar capital de giro imediato.


"Foi como uma grande liquidação. Doeu ver peças especiais saindo abaixo do custo, mas entendemos que era necessário", lembra Ricardo.


Simultaneamente, implementaram um sistema de classificação ABC de estoque, identificando quais itens representavam maior valor e demandavam controle mais rigoroso. Descobriram que 20% dos itens estocados correspondiam a 80% do valor imobilizado – uma confirmação clara do Princípio de Pareto.


Para matérias-primas, estabeleceram níveis mínimos e máximos baseados no tempo de reposição e na demanda real. As compras passaram a ser feitas em lotes menores e mais frequentes, reduzindo drasticamente o capital imobilizado.


"No começo achei que isso aumentaria nossos custos, que perderíamos poder de negociação com fornecedores", confessa Marcelo. "Mas José Roberto nos mostrou que, com planejamento adequado, conseguiríamos condições similares mesmo comprando menos por vez, desde que mantivéssemos regularidade."


A mudança mais significativa, porém, foi na cultura da empresa. A produção passou a ser guiada por pedidos, não por capacidade. O lema "estoque zero" foi adotado como ideal, ainda que na prática mantivessem um estoque mínimo de segurança.


Os Resultados Transformadores


Um ano após o início da consultoria, os números falavam por si. O estoque da empresa de Móveis havia sido reduzido em 68%, liberando mais de 1,5 milhão de reais que foram parcialmente reinvestidos em tecnologia e melhoria de processos.


O espaço físico ganhou nova configuração, permitindo fluxo mais eficiente de materiais e produtos. Uma área de 600m² foi transformada em showroom, aumentando as vendas diretas ao consumidor final.


"O mais impressionante", observa Laura, agora oficialmente responsável pelo controle de estoque, "foi que nossa capacidade de atender clientes no prazo prometido melhorou, mesmo com menos produtos prontos estocados."


A explicação era simples: com menos recursos presos em estoque desnecessário, a produção ganhou agilidade para atender o que realmente importava – os pedidos confirmados dos clientes.


O impacto financeiro foi além da liberação de capital. A margem de lucro cresceu cinco pontos percentuais, resultado de menor desperdício, melhor precificação (sem a pressão para "desovar" estoque) e redução de custos indiretos.


"Hoje sabemos exatamente quanto custa manter cada item em estoque e por quanto tempo faz sentido mantê-lo", explica Marcelo. "Isso mudou completamente nossa visão sobre o que é um 'bom negócio' na compra de materiais."


A Lição que Fica


Numa manhã de domingo, exatamente dois anos após aquele café solitário na varanda, Marcelo recebe a família para um almoço. A empresa não apenas sobreviveu, mas se reinventou. O tema da conversa já não é a sobrevivência do negócio, mas os planos de expansão.


"José Roberto nos ensinou que o estoque é como um lago, não como um rio", reflete Marcelo. "A água que fica parada apodrece. A que flui, renova-se e dá vida."


A empresa de Móveis aprendeu que a verdadeira riqueza de uma indústria não está no volume de materiais acumulados, mas na velocidade com que transforma esses materiais em produtos vendidos e pagos.


"O estoque ideal não é necessariamente o maior, mas aquele que gira na velocidade certa", conclui Marcelo, repetindo uma das frases que José Roberto tanto enfatizou durante a consultoria.


Por toda a fábrica, agora organizada segundo princípios de economia de movimento, painéis exibem os indicadores de giro de estoque em tempo real, lembrando a todos que cada peça de madeira, cada móvel semi-acabado, cada produto pronto representa capital que precisa circular.


Na entrada principal, uma placa discretamente colocada resume a filosofia que salvou a empresa: "Nosso negócio não é fazer móveis. É transformar madeira em valor para nossos clientes, no tempo certo."


A história da empresa de Móveis tornou-se um caso de estudo na associação local de indústrias, e José Roberto frequentemente a utiliza em suas palestras como exemplo de como a otimização de estoque pode ser o diferencial entre o fracasso e o sucesso.


Para a família, a lição ficou clara: às vezes, menos é mais – especialmente quando se trata de estoque.


Caso você se encontre nesta situação, entre em contato conosco!

 
 
 

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